quarta-feira, janeiro 11, 2006

AMOR

"Mesmo que Dom Pedro não tenha arrancado e comido o coração do carrasco de Dona Inês, Júlio Dantas continua a ter razão: é realmente diferente o amor em Portugal.
Basta pensar no incómodo fonético de dizer “ Eu amo-te”, ou “ Eu amo-a”. Em Portugal aqueles que amam preferem dizer que estão apaixonados, o que não é a mesma coisa, ou então embaraçam seriamente os eleitos com as versões estrangeiras: “I love you” ou “ Je t’aime”. As perguntas “Amas-me?” ou “ Será que me amas?” estão vedadas pelo bom gosto, senão pelo bom senso.
Diz-se que não sei quem é amante do outro, e entende-se logo, maliciosamente, o biscate por fora, o concubinato indecente, a pouca vergonha, o treco-lareco machista da cervejaria, ou o opróbio galináceo das reuniões de “tupperwares” e de costura.
Amoroso não significa cheio de amor, mas sim qualquer vago conceito a leste de levemente simpático, porreiro, ou giríssimo. Quem disser “ a minha amada”- ou, pior ainda, “o meu amado”- arrisca-se a não chegar ao fim da frase, tal o intenso e genuíno gáudio das massas auditoras em alvoroço.
Finalmente um amor é constantemente aviltado na linguagem coloquial, podendo dizer-se indistintamente de escovas de dentes, contínuos que trazem cafés a horas, ou casinhas de emigrantes. ( O que está a acontecer com o adjectivo querido constitui, igualmente, uma das grandes tragédias da nossa idade.)
Talvez a prática mais lastimavelmente absurda, muito usada na geração dita eleita, seja aquela de chamar amigas às namoradas. Isto porque os portugueses, raça danada para os eufemismos, também têm vergonha das palavras namorado e namorada. E, também assim, como se não lhes bastasse dar cabo do Amor, vão contribuindo para o ajarvardamento semântico da Amizade.
“Eu amo-te” é dizer algo que se faz. Dizer “Eu tenho uma grande paixão por ti” é bastante menos do que isso é apenas algo que se tem, mais exterior e provisório. Os portugueses, aliás, sempre preferiram a passividade fácil do “ter” à actividade, bastante mais trabalhosa, do “fazer”.
A confusão do amar com o gostar, do amor com a paixão, e do afecto, tornam muito difícil a condição do amante em Portugal.
É urgente repor o verbo “amar” em circulação, deixar-mo-nos de tretas, e assim aliviar dramaticamente o peso oneroso que hoje recai sobre a desgraçada e malfadada paixão."

Miguel Esteves Cardoso

Mais uma vez começo com um texto que eu já li e reli e que queria partilhar convosco.
Apesar de já ter lido e relido o texto não há maneira de conseguir dizer a palavra Amo-te. Bem, confesso que já o disse uma vez, o que em 22 anos não é nada mau!! De qualquer forma apesar de considerar que este texto caracteriza bastante bem a sociedade portuguesa na sua relação com o amor, gostaria apenas de frisar que considero a banalização do verbo amar igualmente um erro. Dou por mim a ver os putos no metro com as namoradinhas e a dizerem amo-te para aqui amo-te para ali..será que o amor é assim uma banalidade tão grande? Posso dizer que amo alguém depois de ter estado uma semana com essa pessoa? Nesse caso também posso dizer que amo a minha vizinha, ou não?
Eu sempre encarei o “amar alguém” como um sentimento em que nós gostamos das virtudes e dos defeitos, em que nos entregamos completamente para o bem e para o mal, em que apoiamos a pessoa que amamos nas suas decisões mesmo que isso nos custe, tal como fazem os nossos pais. O Amor não existe só quando está tudo bem, muito pelo contrário, quando corre mal é que se vê o quanto se ama, e como tal não me parece que ao fim de uma semana se possa dizer que se ama alguém.
Basta-me clarificar aqui um ponto, para parecer menos utópica! Gostar dos defeitos não é literal, se os consideramos defeitos é porque não gostamos dessas caracteristicas, no entanto essas não são relevantes para que deixemos de amar a pessoa.
E agora que já moralizei e dramatizei o peso oneroso que recai sobre o amor, resta-me despedir e agradecer antecipadamente aqueles que tiverem paciência para ler este testamento, e agradecer aos que já tiveram paciência para ler o outro!

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